Eles chegam, num trinado ininterrupto, numa alegria que assim o é porque é simplesmente, sem casca, sem abrigo, sem subterfúgios. Nos pássaros e nas coisas da natureza, o que se vê está por dentro, aquilo que é e o que o anima é o próprio corpo. Há uma verdade intransponível na mudança das coisas exteriores a nós. Não há processamento do ser; há apenas ser. É por isso que, por vezes, entre o sossego e o arvoredo, entre o que é secreto e o que é conhecido, entre o tempo e a vontade, há momentos em que expomos o rosto à luz, em que nos calamos num silêncio de fundo, em que nos esvaziamos de tudo. Um momento que o vento fustiga o rosto, e o cabelo se entrecruza em loucos fios de luz. É nesse momento que se desliga o fio de pensamento. Em que o mundo se nos meteu dentro, o mesmo vento de fora é o mesmo que agita este coração suspenso e a água que se enrola em ondas de tempestade é a mesma que percorre as veias e se transpira em gotas sobre a pele. Às vezes pensei que seria impossível evadir-me com um outro. Como se ter o corpo dado aos dias e ao mundo, fosse um fenómeno de íntima e solitária entrega. Não pensei que poderia um dia ser aquilo que me anima, sem palavras ou outras falácias de ocasião, ser o que sou e ser o me alegra: a chegada dos pássaros, a transmutação do mundo. Ser o que vejo, entregar-me a este vento e pegar a tua mão, diluir-nos os dois em líquido, em verdade e em sentimento. E regressar, com a recordação do que é verdadeiro tatuado na alma.
Este é o verdadeiro caminho de sabedoria.