A identidade de tudo o que nos rodeia é dependente do olhar externo. O que identifica a flor? A beleza que nos inspira com as suas formas altivas e serenas, com a suavidade inexpugnável do seu caule? A suas cores impossíveis e a harmonia milagrosa dos matizes das suas pétalas? Mas então, qual a identidade da flor na noite escura, em que não há cor nem formas? Qual a identidade da flor na nossa ausência? Ou a sua existência cessa, quando não há ninguém que acredite que tal ser existe?
A identidade de cada ser deriva da imagem que o outro cria e que reflecte como um espelho?
Ou, a identidade será uma linha de tempo, uma construção ordenada de acontecimentos que contam uma história, será a identidade uma narrativa de tempo e de escolhas? Então e tudo o foi preterido, esquecido e desprezado nesta narrativa, também não fará parte desta construção?
Linhas interrompidas também são história. Ponto cegos também lançam luz no futuro obscuro.
Eu sou tudo o que de mim acreditam. Eu sou o que não escolhi, eu sou o tempo que se sucedeu e que parou e que se enrolou num nó cego de inércia. Eu sou tudo aquilo em que tomei parte, também sou o que neguei e esqueci. Sou as estradas resplandecentes que não percorri, sou a opção A e B e C e infinito. Sou um mar de gotas, de pequenas gotas. Sou tudo isto. E, no entanto, não sei o que sou.
O olho que vê o universo é o olho do próprio universo.
E há momentos de cegueira. E há vazios onde até o eco morreu.
A identidade é uma coisa secreta e amorfa. E, no entanto, aquilo que não é não existe. E, por vezes, nesta busca incessante e dolorosa, expiro numa janela para ver se uma mancha baça se formou. Assim sei que estou viva e tenho uma identidade. Uma identidade que é um borrão de calor no frio de um vidro.
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