Ontem vislumbrei uma estrela cadente, na sua viagem de um segundo. Durante a sua existência efémera, tentei formular claramente um desejo ao universo, como diria a tradição popular. Mas não consegui. Apenas fui espectadora acéfala do seu movimento de rara beleza, apenas me coube em vez contemplar o seu movimento etéreo como se contemplam as coisas raras da vida: com assombro, com temor e de mente vazia. Um estranho e solitário momento em que o céu se iluminou para em seguida mergulhar em noite escura. Um momento em que a minha alma se esvaziou do deserto que passeio dentro de mim nos dias vulgares, para se encher com a luz de um momento perfeito. Não sei se outros partilharam anónimos este momento, mas pareceu-me que o universo encenou para mim este fenómeno celestial. Será presunção? Será delírio? O certo é que, após reflectir este fenómeno no tempo imediatamente póstumo, senti como nunca a intensa solidão e o privilégio da mesma. Coube-me em vez este momento e nada, mesmo nada, é tão intensamente maravilhoso como ter a consciência disso mesmo. Esta cópia imperfeita de uma Eva longínqua, olha com assombro para os milhares de anos de vida que a precederam na história do mundo, para os milheres de anos que a esperam a viajar com o pó das estrelas, e concentra-se neste momento presente, em que está aqui e agora, em que diz:
- Eu sou. Como nunca fui, como nunca serei. Não voltarei a olhar a estrela cadente, não voltarei a repetir este segundo, nos milhares de milhões de segundos do tempo e da vida. Sou Eu, e estou aqui e agora. Nada é mais divino.
Alguém gravará este momento? Um fantasia big brotheriana perspassa-me o espírito. Agito a cabeça em tom de meneio...não, ninguém recordará como foi, porque o que recordamos não existiu como tal. Recordamos um filme, uma versão melhor ou pior, sob o filtro baço dos nossos olhos, tudo o que aconteceu. Cabe-nos apenas viver, viver sem dormir. Ter consciência disso mesmo. E não carregar a dor do que se viveu e não volta, como um fardo que nos prende e esmaga. Não vender também este saber pela anestesia do sono e da ignorância.
Viver o presente, porque é esse o nosso destino maior.