quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ver em claro e deixar para trás o que não interessa

Ver claro em nós e ver como os outros nos veêm. Ver esta verdade frente a frente e não haver um naufrágio em culpas e remorsos. Experimentar o desejo, sem acreditar que ceder a ele é o conspurcar da elevação que se persegue. Ser elevado, é não sofrer com o que não podemos mudar: os outros e a natureza.

Ver, porque é este o sentido verdadeiro. Ver de cá dentro e não ter vergonha, nem ambições, nem ansiedades. Ver claro depois de um dia chuva, em que a terra se oferece timidamente ao sol.

Ver sem que a verdade fira tanto, que até cerramos os olhos com a soma de todos os cansaços, com a cegueira de quem não quer ver.

Ver honestamente sem delirar com verdade, sem mentir para evitar o sofrimento, ver que os alicerces são de barro e a casa que suportam é de pedra. Ver que tudo são destroços.

Ver tudo isto e rejubilar com a verdade. Ela é clara e é de pedra, bate mas não mata, antes liberta.

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É também preciso não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho que se poderia ver se a janela abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro

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