quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A Casa, a mãe de todos

Uma casa, umas paredes dispostas num desenho geométrico, de todo imperfeito. Um bloco de pedra com buracos para respirar, para entrar, para abandonar, para olhar. Um móvel habilmente disposto, naquele canto inútil que, assim, é a jóia da coroa do quarto. Um canto cheio de coisas, artefactos brilhantes e outros pardacentos, recordações vivas e mortas, um passado doloroso, memórias ternas, momentos como pássaros que se foram, num voo de colibri. Uma cozinha, uma coxa de frango firme e rosa-pálido, apetitosa mas num processo de putrefacção que não se vê, apenas se pressente. Cheiros que se passeiam no sopro das correntes, de fora, da natureza límpida de uma casa da aldeia. Cheira a chuva, a terra molhada, a estrume vivificador. Uma cama quente, de abandono sedutor, de cambalhotas alegres e despreocupadas, de vergonhosos sorrisos e pequenos prazeres. Um espelho de odioso brilho em prata, impiedoso, voz que edifica, que arrasa. Poeiras dispostas em rebelde preguiça...cantos que nunca hão-de estar limpos, cristalizados nas molduras idiotas de tempos de mentira. Um gato, um vaso de folhas ansiosas por sol, aprisionadas numa casa de gente boa, de alguns fantasmas. Corredores de gritos e de choros, paredes caiadas, ressequidas de tantas manhãs, de sol, de mortes lambidas pela luz do dia, de ossos expostos numa queda aparatosa. Sombras de velhice, de decrépita solidão, despojos de uma juventude em trânsito, em fuga, de passagem para o momento prévio à loucura. Casa de palavras, esconderijos de silêncios, de lágrimas. A minha casa. A minha casa. A minha casa. Que saudades ainda antes de partir. A minha casa, de tantos, que se foram, que não voltaram. Eu vou, a casa permanece. Quanto de nós é a nossa casa...



Sem comentários:

Enviar um comentário