Uma criança de seis anos em frente a uma loja de doces, cores brilhantes que se derramam pela porta, vermelhos de luxúria, brilhantes de açúcar. Um velho num banco de jardim perante o tombo lascivo de uma mulher, cujas coxas se fendem através das saias, brancas de alvura e de carnes rosáceas. Homens de braços desnudos em dias de chuva, indiferentes ao frio, de máscula resistência à intempérie, músculos que se retesam sob o peso de um qualquer objecto, e em beleza se contraem, gotas gordas de chuva que rolam naquela pele morena. Uma mulher com uma farta cabeleira de um vermelho rubicundo, flamejante e atrevida num dia cinzento, homens que se detém na sua passagem, imaginando guerreiras amazonas com seios que se empinam sob tecidos de fina transparência. Opulentes pedras de um dourado refulgente, diamantes em platina engastados, couros trabalhados, máscaras e capas de teatro, mentiras e faz de contas cheios de fogos de artifício, rasgos de cor e brilho em noites escuras. Um som distante de aplausos, que vai em crescendo, uma recordação de fama e de engrandecimento, um lugar no topo do mundo, efémero e intenso.
Algures um lamber de lábios, uma língua bifurcada que fareja o ar e saboreia saliva na mais absoluta lascívia.
E assim o desejo irrompe, primeiro tímido, depois forte, sem vergonhas ou outras fraquezas. Assim há uma chama de vida tremeluzente em cada um.
O íntimo desejo inflama-nos de vida e... Hoje, este desejo morre-nos em dívidas e em dúvidas, em medos e ameças. Morre-nos amordaçado pela carestia geral.
Em tempos de crise é proibido desejar. É mais fácil ser moribundo que viver.