Que lugar é este, este lugar imaterial cheio de coisas que vivem e não se veêm - a nossa Casa, aqueles cheiros habituais e seguros, aquele sentimento único de regresso protegido ao útero materno, do qual saímos a protestar e a rastejar e para o qual tentamos regressar todas as vidas que percorremos?
Que lugar é este, que palavras atropeladas e mágicas saem destas bocas estranhas e que, estranhamente, soam compreensíveis? Que língua é esta, de voz cantada, de ditongos redondos e sonantes, com eco de montanhas azuis, de palavras longas e quebradas, de rimas adocicadas com cravinho e canela?
Que rostos são estes, com marcas indeléveis na sua fronte, de sofrimento e dor e saudade, de dedos de cinza marcados, que os identifica como filhos de um mesmo pai, filhos de uma mesma mãe, progenitores de longas encostas de verde e de castanhos de rochas e de mares azuis de espuma encrespados?
Que lugar é este que, quando partimos, vamos sem rosto, sem língua, sem identidade, em que o fio de tempo que compõe a nossa vida se parte e o que fomos e somos ninguém conhece?
Partir deste lugar é ser-se estrangeiro. É ter a liberdade de se pertencer ao mundo, grande demais para se encontrar o que quer que seja. É ser-se fantasma no início, sem pés que o prendam à terra, sem mãos para tocar. Ser-se estrangeiro é descobrir outro lugar assim, de pertença, é desfiar uma nova história, porque sem este chão a que chamamos pátria não é possível ser-se feliz.
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