sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A teimosia de Pandora

Ainda há alegria no mundo. Ainda há bolas de sabão vacilantes no sopro de uma criança, ainda há este céu azul que nos protege, ainda há este sol que nos lambe as feridas. Permanecem risos por aí, intempestivos e desarticulados, que irrompem na vida sempre igual. Ouvem-se tímidos aplausos, comovedoramente verdadeiros. Porque sim, ainda há verdade neste mundo. Deambulando pelas ruas, cobertos de vergonha e tristeza, há ainda rasgos de roupa branca nas varandas, inocência por desvendar, que se guarda como fruto precioso dentro do ouriço. Ainda há água que cursa livre, que canta nas pedras, límpida e incorrupta. Por ela, gargantas sequiosas sofrem com orgasmos de sede aplacada, numa frescura líquida e pecaminosa. A cada gole, é o ímpeto selvagem desta água que se transforma em sangue e em suor e em movimento. Ainda há um banquete por terminar, há muito que comer e beber nesta terra. 

O que morre neste mundo, é a crença que tudo isto existe. O que morre neste mundo, são os sentidos. Neste tempo, viver é ficar cego e mudo e surdo. É não ver a beleza do mundo, é não se encantar com ela, porque perdemos o que nos desperta, o que nos permite permanecer ligados. Como toupeiras, só vemos para dentro e, cá dentro, só há cantos escuros e fantasmas vagueantes. 

Eu quero continuar a ver e a sentir. Eu quero acreditar. 
Ainda há, ainda subsiste, está lá fora, ao longe, mas ainda permanece...





2 comentários:

  1. Ari, estás cada vez melhor na tua forma de escrever ou então sou eu que agora te entendo melhor... lol! Adorei o primeiro parágrafo, não sei onde vais buscar tanta inspiração, mas és uma verdadeira criativa de ideias! Beijinhos

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  2. Artist Extraordinaire, grata pelas tuas palavras. Não creio que esteja a escrever melhor, talvez seja mesmo o caso de seres tu a entender-me melhor... Um bjao

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