Neste frio de ossadas amarelas, nestas noites de branco vazio, neste luar brilhante de pérola no fundo do mar, olho o meu presépio ao longe. Umas figurinhas de cera com marcas de dedos gordurosos nas faces. A cálida luz dos anjos de parede, faz-me ver expressões abnegadas em Maria, um sofrimento antecipatório, de coisas inomináveis a acontecer em breve. Uma presença virgem de prazeres, mas experimentada em sofrimentos. Semicerro os olhos e quero acreditar que uma pequena lágrima se enrola nas pregas daquela face, e não é uma lágrima de tristeza. É um secreto prazer, um desperdício de orgulho que ela guarda para si. A certeza de que pariu um varão e há mais um insecto a povoar este mundo insecticida. Vejo mais ainda. Um José erecto de vontade, acérrimo na sua constância. É um José seguro, que permanece à sombra de uma glória maior que toda a humanidade. O destino dele é ser pequenino e acreditar. Um José amarrado pelo amor, estéril na sua pequena alegria. Mas que espera forte, como uma palmeira num furacão, que verga e não parte. Há uma tristeza calada naquela figura presa ao chão. No meio, protegido por duas adultas figuras, uma surpresa e comoção corta dos meus pés o contacto com o solo. Naquela posição central, estou siderada por um bebé branco e puro, pequeno, que brilha mais do que as sombras dos seus pais. Que nudez é esta que desvia os meus olhos de tudo em volta e, nesta paisagem, só existe aquela criança nua que esbraceja num movimento perpétuo, braços e pernas roliços. Há algo que cala fundo neste lugar ermo que é o meu íntimo, há uma simplicidade arrasadora, um contraste mágico entre a palha dourada do telhado e a pele branca deste Menino Judeu que deveria ser preto. Uma ideia de calor, uma sensação de reconhecimento, um raio de ancestralidade atinge-me mesmo no terceiro olho, mesmo no meio da minha testa enrugada de espanto. Esta é uma família, em que o primogénito é uma criança e é rei. Esta é a minha família, a família com que todos sonhamos. Agora eu sei que este é o Menino Jesus Verdadeiro. Agora eu estou dentro deste presépio. Aguardo ser encerrada numa caixa, com o resto dos sonhos, das descobertas e das sabedorias, numa caixa no sótão, suspirando luz durante mais um ano.
Não percebi porque é que o menino Jesus devia ser Preto? lol
ResponderEliminarO menino Jesus, que metaforicamente serás tu no seio da tua família, a rainha da família, nunca poderá ser encerrada numa caixa, porque nenhum de nós nasceu para ser fechado, mas para sonhar e viver insesantemente na alegria daquilo que nos faz sentir e ser!
Lol. Rita, Jesus Cristo era Judeu oriundo de uma zona onde as pessoas são naturalmente mais escurinhas. É muito provável que ele tenha sido de pele mais escura e traços mais orientais :)
ResponderEliminarEste é a minha visão de presépio, o meu sonho escondido, a minha aspiração. Obrigada por partilhares, querida amiga! Bjinhos
Lol, sim devia ter traços mais orientais. Escrevi incessantemente muito mal.... Lol
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