Sempre me pareceu terrível o abdicar da liberdade individual, sempre me pareceram impossíveis os longos invernos de ditadura a que tantos foram subjugados. Mas mais impossível ainda, sempre me pareceu a vontade consciente com que muitos se entregam as estes regimes, os seus desejos de rendição e de alienação a um projeto individual, a forma fácil como estas ovelhas se mesclam num qualquer rebanho que cegamente lhes garanta pasto e tranquilidade.
Qual o conforto na renúncia ao exercício mais sublime da humanidade, a sua livre escolha?
Ocorreu-me, como um relâmpago por demais por si evidente, que a liberdade é nudez absoluta, é ser rei de um Eu caprichoso, de um reino longo e pouco pacificado, uma terra onde breve é a alegria, muitas são as dúvidas e profunda é a solidão.
É mais fácil ser ovelha em rebanho, mesmo que loucuras e mortes aconteçam nas pastagens. Negar-se o privilégio de escolher, evitando-se assim a culpa, contando a si mesmo insanas narrativas de se ser herói coletivo, em campanhas absurdas, sem heróis nem vítimas, apenas destruição.
Ser rei de si mesmo, assumir cada decreto louco deste eu, assim livre para errar, para agrilhoar a si mesmo e a outros em longa agonia. É um salto no abismo, é incomensuravelmente mais difícil.
Mas é também ter o poder de se ser tão verdadeiro como possível, ser-se inteiro, sem medidas, sem fronteiras. E, num golpe de sorte divina, ser-se amado por isso mesmo, e por alguém igualmente livre.
Não entendo a sedução pastoril da ovelha. Mas vejo a sua segurança, a sua quietude.
Mas isto não é ser humano. É servil animalidade.