domingo, 17 de março de 2013

A máquina e o sonho

Todos temos duas vidas. A primeira, a que sonhamos na infância e acalentamos, como pequeno tesouro, durante toda a vida adulta. A minha primeira vida também tem grandes desertos como os de agora, mas outrora, estendiam-se sob grandiosos céus de noites repletas de estrelas e detrás de cada pedra ou duna, um insecto perscrutando a noite, sob pequenas patas que num passe de mágica eram asas, e levantavam voo. Nesta primeira vida, há sempre risos e, mesmo quando há lágrimas, são de conquista, são de vida, porque nesta vida original nunca se morre. Nesta vida, todos são altos e eu sou adoravelmente pequena e todos me protegem. Às vezes, ponho-me de bicos de pés e lidero exércitos a fingir, com baluartes brancos de flores amarelas, e saio sempre vitoriosa. Não há prisões de ciúme ou de soberba. Há amor sem pensamento, e isso é liberdade. Esta é a vida verdadeira, a que espero regressar.

A segunda vida é falsa e prática e útil. É funcional, como são todas as máquinas que produzem. Esta é a vida em que morro, em que estou presa, em que penso. E tudo é grande e deserto, como são grandes estas pedras que engulo. Não há maravilhas pequenas, não há conquistas limpas.

Pela voz de Álvaro de Campos,

Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra...



2 comentários:

  1. Bom dia miga!!!
    Podia dizer-te muita coisa, mas prefiro deixar-te este pensamento para reflectires:
    "People are just as happy as they make up their minds to be."
    Beijokas da Kokas!!

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  2. Bom dia Querida Amiga. Obrigado por teres comentado :)
    Este post foi escrito depois de ler um poema de Álvaro de Campos "Datilografia", que fala daquilo que separa uma certa vida que sonhamos enquanto crianças com a vida que efetivamente temos...Álvaro de C. fala muitas vezes da infância com este saudosismo porque, e eu concordo, nunca mais somos tão sonhadores, tão inocentes ou tão ingenuamente crentes como em crianças. Muitas vezes escrevo sobre este tema, sobre a inocência, a candura e o sonho que vamos perdendo à medida que experimentamos a vida e que envelhecemos, é inevitável, aprender e mudar :) Às vezes os posts são escuros, mas assim exorcizo-os de mim. depois de estarem no blog sinto-me mais leve... É como uma terapia de dramatização, quase psicodrama :)
    Quanto ao pensamento que me deixaste, refleti bem e...sabes que para mim a felicidade é um conceito mais ou menos vazio, quimérico e utópico. E não é bem o que procuro... acho que sentir-me-ei feliz quando sentir que a minha vida valeu a pena, que foi e está a ser uma oportunidade bem aproveitada. Mas uma coisa o teu pensamento aponta com alguma verdade, devo (e tento) é orientar a minha mente para a positividade, para a confiança e, animada com fé, acreditar que coisas boas estarão ao virar da esquina....
    Uma bjoca para a Kokas

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