Ontem deitei-me ao lado dela, o seu corpo frio a derramar-se junto ao meu, uma frieza que enregela os ossos e imobiliza o coração, que bate como agulhas de gelo num relógio de metal frio. Ela, a minha companheira, sempre e ad aeternum fiel, a que não é humana, antes sombra, antes impressão amorfa nos lençóis. Ela é leal, como um cão negro cujo uivar é certo a cada promontório, na noite escura, sob uma lua branca e cheia. Ontem deitei-me pensando que ela poderia não estar; o dia empurrou-me para outros parceiros bem mais sedutores: as palavras, os sorrisos, a perspectiva de uma luz intensa numa porta semiaberta, que empurrei com cautela. Por momentos fui feliz, como o são todas as crianças frente a uma vitrina de doces, ignorantes do sabor bem amargo de algumas pílulas coloridas.
Mas hoje deitar-me-ei ao lado dela, estoicamente fincarei o dentes na almofada, deixar-me-ei embalar pelo silêncio de gelo e dormirei o sono dos justos. Espero que pela manhã, a luz já a tenha por fim expulsado, a minha companheira, não gosta de Sol. Espero que chuva não dure sempre.
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