segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

A vida passa de ano

Um começo, sempre igual, mas mesmo assim um começo. Ocasião para pedir às estrelas que nos concedam mil e um desejos, que nos apaziguem ódios, que acalmem mares tempestuosos de raiva. Um começo para continuar a dizer adeus ao que nos aprisiona e do qual não conseguimos a libertação. Nesta linha de partida, somos corredores de fundo que não esquecem o que foram e já não são, e que recordam aqueles que iniciaram lado a lado e, algures no caminho, ficaram para trás. 

Chegamos ao fim de um caminho, para apenas ver que a meta é, na verdade, um novo começo. 

Começar, é respirar fundo e recuperar aquele fôlego precioso que seguia já esgotado. Neste ano novo, muitos começarão para serem pais, crianças descerão do sonho e materializar-se.ão em vida. Muitos filhos reencontrarão os pais e, destes, muitos morrerão sós e sem filhos. Muitas famílias degenerar-se-ão em alcateias, lobos esfaimados em tempo de carestia. Neste ano, muitos rebanhos se perderão por não terem o Bom Pastor, dilacerados por uma noite demasiado escura, um frio demasiado branco. 

Muitos começarão brevemente a amar e muitos morrerão em ciúme, em solidão ou, pior ainda, sem conhecerem o amor. Vidas suceder-se-ão em catadupa, sem se saber onde começam e onde acabam. A passagem do tempo é sempre uma ilusão. 

Muitos dormirão nesta passagem de ano, nesta passagem da vida pelo buraco de uma agulha. Mas, para aqueles que vivem acordados, desejo que encontrem um segundo de calma nesta passagem e, em segredo e no silêncio do seu coração, ouçam o clamor dos desejos dos mundo e a eles juntem uma oração sincera, um sussurro verdadeiro, de amor, de esperança, de coisas boas e puras. Algures, no ruído de fundo do Universo, seremos ouvidos.

É esta a minha prece, para todos.

Bom Ano de 2013


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Em Voo Quebrado

Em voo quebrado, estendo as minhas asas. Penas cinzentas e descarnadas, ausentes de luz, tímidas no seu movimento de rebeldia ao Sol. Inclino a minha face ao sabor da luminosidade, aquela aura branca e cândida, como uma madrugada terna que amanhece nos braços de um amante. Rodo sobre mim mesma, esboço um movimento de voo; vacilo porque conheço a natureza defeituosa e incompleta do meu instrumento de voo.

 Ninguém me empresta umas asas. Ninguém me ensina a voar. Ninguém me eleva no seu colo de pássaro.

É um voo quebrado, que se ameaça sobre a montanha mais alta, mais encrespada, mais ampla. E eu queria a minha escadaria para o céu, assim: maior, mais bela, mais perigosa. Mesmo no regresso, esta é uma descida que não cansa. O regresso de um herói derrotado é sempre o de um herói. 
Perder e morrer, sempre lutando.  

Em voo quebrado, mesmo habitando um anjo feito estátua, de um branco sujo pelo pó das estradas, triste pelos transeuntes distraídos, seres que passam imóveis e inconscientes. Por dentro ainda se agitam estas asas de colibri em urgência, em desejo efémero. Ainda vejo ao longe aquelas flores e, por elas, morro em antecipação, em agonia pelo que ainda está por vir, pelo que ainda se guarda em sensual segredo, em luxuriante descoberta.

A viagem incrível e dolorosa de Acreditar. O voo quebrado de um crente.





segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Carta ao Pai Natal Verdadeiro

Pai Natal verdadeiro, resolvi escrever-te uma carta. Pensei escrever ao menino Jesus, porque sempre me ensinaram que era ele que dava as prendas e seria sacrilégio creditar o seu aniversário a um velho gorducho de roupa vermelha como a Coca Cola. Mas hoje quero escrever a um deus humano. Quero sentir a minha humanidade legitimada, não diminuída ou aquém, mas plena de defeitos, de desejos, de caprichos e não me sentir condenada ao fogo do inferno por isso. Escrevo, então, a ti pai natal. O meu humano mais parecido com um pequeno deus.

Escrevo-te, porque também tu entendes o frio, o frio branco e vazio que por vezes não é só do inverno; também tu entendes o frio que vem de dentro, a solidão de não se estar só. Também tu te deves imobilizar à janela, dentro de casa, e em branco projetas esse bafo quente no vidro e com os nós dos dedos desenhas o teu nome. Também tu contas as moedas e investigas o alforge em busca de sortilégios para oferecer. Queres oferecer o mundo ao mundo, para sentires a intensa pertença. 

Escrevo-te para te pedir coisas. Pedir e desejar, sem humildade. Acaso se é humilde em sonhos?

Peço-te para nascer outra vez, peço que me devolvas a inocência. Quero a cegueira de ver sem olhos, a surdez de ouvir sem ouvidos. Quero não ter mãos e tocar e que todos os meus sentidos sejam o sentir do pequeno pássaro que bate descompassadamente no meu peito. Quero que o som mais nítido seja o compasso do meu coração, que o debater das minhas entranhas seja o aconchego do meu sono. Quero ouvir a voz do outro como um sussurro leve, como o restolhar das asas de uma andorinha, como o bater de uma porta ao longe significa que quem amamos regressou em segurança a casa. 

Compreende, pai natal, quero nascer outra vez para acreditar no futuro. Quero que o meu país seja sempre a minha casa, a nossa casa. Quero continuar a ouvir a minha língua, o doce cantar das mulheres, o trovão desgovernado dos homens. Quero ouvir o meu nome dedilhado com talento, com a sonância destes ditongos redondos, com a música do som a. Quero cuidar e ajudar a curar quem me ajudou a crescer. Não, não quero emprestar os meus talentos a quem não lavrou a terra, nem preparou o solo para receber as sementes. 

Pai natal, na verdade, peço-te baixinho para ser imortal, mas não imutável. Quero poder mudar, sem perder o que faz de mim quem sou. Quero a constância das estações, a ocorrência inexorável das chuvas. Quero que continuem a existir fronteiras, os contrastes eternos entre o Bem e o Mal, entre a Luz e a Sombra. 

Pai natal, ouve-me de mansinho, é perigoso falar alto...começaram a crescer as zonas cinzentas, começa hoje a adensar-se uma bruma e o espírito de deus já não paira sobre as águas. Começo a acreditar a medo, que a ordem do mundo está invertida e, agora, já se nasce velho

Pai Natal, se não puderes fazer-me nascer de novo, faz nascer um herói das histórias. Um príncipe que mate dragões. Alguém que vá à frente e que crie pontes invisíveis sobre abismos. Pai Natal, se eu não puder nascer de novo, faz antes nascer um bebé de esperança. Para todos. 

É este o meu pedido.
A tua criança grande que acredita em ti,

Ariana





terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Recordar é fazer amor para velhos

Uma curva suave,
de corpo acabado de tisnar ao sol. 
Um moreno dourado,
de suor feito mel sobre a pele,
como um véu de pecado. 

Uma noite perfeita, que
se desenrola na memória.
Uma curva de sorriso
que se forma nos meus lábios. 
Fui feliz e, no entanto,
há um assobio de morte
nestas veredas.

Há algo fora do sítio,
uma estranheza no ar,
um prenúncio de desgraça.

Sinto o meu centro a desenraizar-se, 
um momento de glória e de 
abismo que se materializou 
do nada. De repente, 
A mudança como uma onda, 
abate-se com violência. 

A memória rasga-se como um tecido 
esticado até ao seu limite físico. 

É por isso que as pessoas esquecem.
Esquecem que podem lembrar. 
Esquecem para continuar.


É por isso que eu sei quem é o meu amante eterno, a minha alma companheira, o meu bálsamo, o meu deus das coisas pequenas. A minha memória, é a minha constante inventada, a minha estrela. Quando for velha e elefantídica, serei a matriarca das lembranças, reais e de fábula, a Ariana do fio, que tece e desfaz a sua teia. Serei aquela que balança a cadeira no alpendre, cuja face é um pergaminho enrugado, que recorda que viu nascer e morrer, mas não sabe verdadeiramente se viveu.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Lobo


É assim que me sinto. Como se alguém tivesse olhado para a minha alma e em seguida desenhado em papel e lápis o que havia visto.  Um ser pequeno, em corpo e alma, que segura com mão suada e gasta, num aperto desesperado, um fio que prende um grande lobo. Os meus medos num balão em forma de lobo, leve e etéreo, pressionando suavemente para ser libertado. Por agora, seguro-me aos meus medos e inseguranças, pela secreta ilusão de controlo, através de um fino cordel, ao qual dou apenas a folga necessária para o ver saborear a brisa. Curioso, não penso que são apenas medos, são também os meus sonhos. Sonhos que podem também ser feras devoradoras e traiçoeiras, de olhos vermelhos de sangue e de dor. Ergo-me vacilante do alto da minha pequenez vermelha, elevando quase com ternura e desvelo este balão, quase suspirando ser leve como a brisa e com ele sair voando, desvanecer em esperança sem nunca aterrar. Medos e sonhos, para mim, medos e sonhos é tudo o que seguro. Esperando, que aqui, na superfície lunar onde me encontro, este balão não tenha desenvolvido carne e olhos e sangue, ao invés de ar, e esteja à espreita na minha porta. Receio na mesma medida, sonhos e medos feitos realidade.

I keep the wolf from the door
But he calls me up
Calls me on the phone
Tells me all the ways that he's gonna mess me up
Steal all my children
If I don't pay the ransom
But I'll never see 'em again 

If I squeal to the cops (Thom York)


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O encontro da luz, da retina e do presépio

Neste frio de ossadas amarelas, nestas noites de branco vazio, neste luar brilhante de pérola no fundo do mar, olho o meu presépio ao longe. Umas figurinhas de cera com marcas de dedos gordurosos nas faces. A cálida luz dos anjos de parede, faz-me ver expressões abnegadas em Maria, um sofrimento antecipatório, de coisas inomináveis a acontecer em breve. Uma presença virgem de prazeres, mas experimentada em sofrimentos. Semicerro os olhos e quero acreditar que uma pequena lágrima se enrola nas pregas daquela face, e não é uma lágrima de tristeza. É um secreto prazer, um desperdício de orgulho que ela guarda para si. A certeza de que pariu um varão e há mais um insecto a povoar este mundo insecticida. Vejo mais ainda.  Um José erecto de vontade, acérrimo na sua constância. É um José seguro, que permanece à sombra de uma glória maior que toda a humanidade. O destino dele é ser pequenino e acreditar. Um José amarrado pelo amor, estéril na sua pequena alegria. Mas que espera forte, como uma palmeira num furacão, que verga e não parte. Há uma tristeza calada naquela figura presa ao chão. No meio, protegido por duas adultas figuras, uma surpresa e comoção corta dos meus pés o contacto com o solo. Naquela posição central, estou siderada por um bebé branco e puro, pequeno, que brilha mais do que as sombras dos seus pais. Que nudez é esta que desvia os meus olhos de tudo em volta e, nesta paisagem, só existe aquela criança nua que esbraceja num movimento perpétuo, braços e pernas roliços. Há algo que cala fundo neste lugar ermo que é o meu íntimo, há uma simplicidade arrasadora, um contraste mágico entre a palha dourada do telhado e a pele branca deste Menino Judeu que deveria ser preto. Uma ideia de calor, uma sensação de reconhecimento, um raio de ancestralidade atinge-me mesmo no terceiro olho, mesmo no meio da minha testa enrugada de espanto. Esta é uma família, em que o primogénito é uma criança e é rei. Esta é a minha família, a família com que todos sonhamos. Agora eu sei que este é o Menino Jesus Verdadeiro. Agora eu estou dentro deste presépio. Aguardo ser encerrada numa caixa, com o resto dos sonhos, das descobertas e das sabedorias, numa caixa no sótão, suspirando luz durante mais um ano.



sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A teimosia de Pandora

Ainda há alegria no mundo. Ainda há bolas de sabão vacilantes no sopro de uma criança, ainda há este céu azul que nos protege, ainda há este sol que nos lambe as feridas. Permanecem risos por aí, intempestivos e desarticulados, que irrompem na vida sempre igual. Ouvem-se tímidos aplausos, comovedoramente verdadeiros. Porque sim, ainda há verdade neste mundo. Deambulando pelas ruas, cobertos de vergonha e tristeza, há ainda rasgos de roupa branca nas varandas, inocência por desvendar, que se guarda como fruto precioso dentro do ouriço. Ainda há água que cursa livre, que canta nas pedras, límpida e incorrupta. Por ela, gargantas sequiosas sofrem com orgasmos de sede aplacada, numa frescura líquida e pecaminosa. A cada gole, é o ímpeto selvagem desta água que se transforma em sangue e em suor e em movimento. Ainda há um banquete por terminar, há muito que comer e beber nesta terra. 

O que morre neste mundo, é a crença que tudo isto existe. O que morre neste mundo, são os sentidos. Neste tempo, viver é ficar cego e mudo e surdo. É não ver a beleza do mundo, é não se encantar com ela, porque perdemos o que nos desperta, o que nos permite permanecer ligados. Como toupeiras, só vemos para dentro e, cá dentro, só há cantos escuros e fantasmas vagueantes. 

Eu quero continuar a ver e a sentir. Eu quero acreditar. 
Ainda há, ainda subsiste, está lá fora, ao longe, mas ainda permanece...





domingo, 2 de dezembro de 2012

Daydreamer a tempo parcial

Eu sou uma daydreamer. Digo isto com pesar, com tristeza, porque os daydreamers não tem lugar no mundo. Atrasam a resolução de um qualquer assunto. Matam o tempo num sorriso idiota que só para si faz sentido. Só eles ouvem a música das esferas, só eles vêem aquele raio de sol que bateu em cheio na gota de chuva sob as rosas, só eles constroem abrigos de palha, pelo prazer de vê-los voar ao sabor do vento, filamentos dourados que se volatilizam no espaço, a louca alegria das tarefas inúteis. Só os sonhadores diurnos conhecem o contentamento secreto de se ser ridículo, de rir sem motivo, de fazer caretas ao espelho.

Os daydreamers experimentam a alegria de se ser quem é, mesmo que num palco interior que ninguém vê, mesmo que inventando aplausos. Sonham de dia, porque a noite é demasiado curta e pesada para sonhar com castelos de cartas e bailarinas indecisas no topo do mundo, sob um fio de seda. Sonhar é ser corajosa, é ousar acreditar em finais felizes. Sonhamos para enganar a realidade? Ou para tornar o regresso a ela mais suportável, mais real, e...mais doloroso. Mas com o eco de uma realidade alternativa, em que é possível ser-se feliz e inteiro.





quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O desejo que nos morre

Uma criança de seis anos em frente a uma loja de doces, cores brilhantes que se derramam pela porta, vermelhos de luxúria, brilhantes de açúcar. Um velho num banco de jardim perante o tombo lascivo de uma mulher, cujas coxas se fendem através das saias, brancas de alvura e de carnes rosáceas. Homens de braços desnudos em dias de chuva, indiferentes ao frio, de máscula resistência à intempérie, músculos que se retesam sob o peso de um qualquer objecto, e em beleza se contraem, gotas gordas de chuva que rolam naquela pele morena. Uma mulher com uma farta cabeleira de um vermelho rubicundo, flamejante e atrevida num dia cinzento, homens que se detém na sua passagem, imaginando guerreiras amazonas com seios que se empinam sob tecidos de fina transparência. Opulentes pedras de um dourado refulgente, diamantes em platina engastados, couros trabalhados, máscaras e capas de teatro, mentiras e faz de contas cheios de fogos de artifício, rasgos de cor e brilho em noites escuras. Um som distante de aplausos, que vai em crescendo, uma recordação de fama e de engrandecimento, um lugar no topo do mundo, efémero e intenso.

Algures um lamber de lábios, uma língua bifurcada que fareja o ar e saboreia saliva na mais absoluta lascívia.

E assim o desejo irrompe, primeiro tímido, depois forte, sem vergonhas ou outras fraquezas. Assim há uma chama de vida tremeluzente em cada um. 

O íntimo desejo inflama-nos de vida e... Hoje, este desejo morre-nos em dívidas e em dúvidas, em medos e ameças. Morre-nos amordaçado pela carestia geral. 

Em tempos de crise é proibido desejar. É mais fácil ser moribundo que viver.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Penélope, a aprendiz de equilibrista

Escolher acreditar é a tarefa humana mais difícil.  Acreditar e confiar no melhor por vir, 
é caminho de dúvida, de equilibrismos impossíveis, de castelos de cartas.

Hoje, escolho acreditar. Quem caminha na Fé, quaisquer que sejam os seus pés de barro, escuda-se na dúvida para crer mais alto, mais longe, mais fundo. Quem crê, começa devagarinho a criar a sua história, a tecer o seu sonho nas encostas da realidade. O crente assemelha-se à noiva Penélope que tece o enxoval para o seu marido distante e, à noite, o desfaz para iludir o tempo e o cansaço. Depois, haverá sempre o amanhã.

Acreditando, eu sou uma noiva, ansiosa na minha crença num futuro de coisas seguras e amadas. O meu amado virá quando a dúvida se tiver instalado de forma definitiva e, insidiosa e ardilosamente, quase sacudiu a fé. Não obstante estes caminhos vacilantes do noivado da crença, quando ele vier, terei um lindo lençol para ambos envolver, com fios retesados sob a dor e a tristeza, imaculadamente tecidos sob o branco do orgulho das pequenas conquistas. Ele, o meu amado, verá rosas pequeninas, que ao longe parecem nós, encruzilhadas de hesitações e de mal-entendidos, que bordei em algo belo. Teço o meu véu de doces conjecturas e de profecias caseiras. No final, sei que terei toneladas de tecido para fazer uma bela fogueira,  os delicados sonhos em que investi a minha crença, arderão em belas cores - é bom deixar para trás o que não interessa e não se consumir em raiva. Estarei pronta, então, para tecer em fé e em sonhos de novo.

Crer, para libertar a alma do jugo da desesperança. 
Crer, porque acreditar é o derradeiro exercício de escolha, a única que permite avanço. 





terça-feira, 20 de novembro de 2012

A pátria inventada

Que lugar é este, este lugar imaterial cheio de coisas que vivem e não se veêm - a nossa Casa, aqueles cheiros habituais e seguros, aquele sentimento único de regresso protegido ao útero materno, do qual saímos a protestar e a rastejar e para o qual tentamos regressar todas as vidas que percorremos?

Que lugar é este, que palavras atropeladas e mágicas saem destas bocas estranhas e que, estranhamente, soam compreensíveis?  Que língua é esta, de voz cantada, de ditongos redondos e sonantes, com eco de montanhas azuis, de palavras longas e quebradas, de rimas adocicadas com cravinho e canela?

Que rostos são estes, com marcas indeléveis na sua fronte, de sofrimento e dor e saudade, de dedos de cinza marcados, que os identifica como filhos de um mesmo pai, filhos de uma mesma mãe, progenitores de longas encostas de verde e de castanhos de rochas e de mares azuis de espuma encrespados? 

Que lugar é este que, quando partimos, vamos sem rosto, sem língua, sem identidade, em que o fio de tempo que compõe a nossa vida se parte e o que fomos e somos ninguém conhece?

Partir deste lugar é ser-se estrangeiro. É ter a liberdade de se pertencer ao mundo, grande demais para se encontrar o que quer que seja. É ser-se fantasma no início, sem pés que o prendam à terra, sem mãos para tocar. Ser-se estrangeiro é descobrir outro lugar assim, de pertença, é desfiar uma nova história, porque sem este chão a que chamamos pátria não é possível ser-se feliz.




terça-feira, 13 de novembro de 2012

Poema de sumos e outras frutas

Queria que adormecêssemos com o cabelo
num desalinho, corpos desarticulados
limites esbatidos no contraluz,
ângulos impossíveis e suados,
pele suspirando pêssegos
gotejando sumo, carnudos
de pele acetinada, areia entre
os dedos, restos de sal sequioso nas
pregas perfumadas de estio e de calor.

Queria que desfalecêssemos com o cansaço
dos amantes entrelaçados na pureza
do branco das casas, no alentejo de
campos de urze em que galopei
teu flanco, pêras doces e douradas que
lambíamos dos sexos palpitantes
do teu colo, da tua margem íngreme
caíam palavras aos supetões,
sussurradas, segredadas quando
ainda não amanhecia, dia em que
adormecíamos, de amor e de luxúria.

Roupa de sal que despíamos,
com carinho, recolhíamos a roupa
do chão, despojos de batalhas em
pomares, por fruta madura que não
abandonávamos na árvore, na idade
em que tudo se consumia, tudo se bebia,
sôfregos corpos leitosos, túrgidos de
ais e uis e de cascas que se fendiam ao
menor toque, ao primeiro trote de
cavalo orgulhoso, e forte, à chuva e
ao sol, na cama, no alpendre, no chão
na arca do teu trigo, no baú das tuas
coisas recordadas, sob corpos de uvas
a cheirar a mosto, beijado por gotas
de orvalho, pisados por pés largos,
dedos que saboreio na mais absoluta
lascívia, é por ela que hoje anseio
e choro e vivo. A lascívia, essa
grande dama.




sábado, 10 de novembro de 2012

Tédio revisited

Um cansaço extremo tolda-me o gesto. Coçar o cotovelo num prurido ensurdecedor é façanha impossível. Estou tão cansada, que os olhos não se fecham com o sono, esvaziam-se de olhar, são globos frios e opacos. Tão cansada, que os ouvidos não se penetram com som, são ambos frígidos na sua cegueira. O tempo não passa, é tempo que paira. Os meus passos que não acontecem, são o tempo que se mastiga a si próprio, numa digestão inútil de sonhos e expectativas. Ouço-me a mim própria e tudo me cheira a bafío, a um amontoado de coisas já usadas e gastas, que são lixo, destroços que não se limpam, antes pesam e se olham com tristeza. Agora já nem há tristeza. Também a melancolia me cansou. Já não há nada aqui. Sou um velho que não vê passar o tempo, apenas espera na inércia, e a espera já não é morte que se anuncia, porque a morte é mudança e os ventos de mudança há muito que são brisas quentes dos pântanos.


O que há aqui são desertos grandes e frios. Tenho sede, mas estou cansada e prefiro murchar e ressequir como ameixa seca ao sol, do que procurar água. Ao invés, degluto pedras frias como a lua, cinzentas e pretas de breu da noite, e elas são túmulos no meu estômago. Aqui não há calor, não há frémito de vida. O meu corpo incha, já não é redondo de curva generosa. Não há corpo nem alma, há cansaço. Há esta esquina da vida, uma réstia de luz que se insinua, uma sombra de existência. No convés da mente, procuro freneticamente laivos de dourado, no tempo em que havia cores e luz, em que o vento ainda agitava as árvores  No tempo em que ainda se esperava a primavera, em que havia ainda amanhã, o tempo em que a dormir de noite e, acordada de dia, ainda vivia.






domingo, 4 de novembro de 2012

A voz e o braço

Hoje ouvi uma voz alertar para os tempos conturbados e negros que correm. Como é difícil estar vulnerável e ser frágil e doente nestes dias. A crise obedece ao culto do forte, do perfeito, do bem sucedido. Não há lugar aos outros, nega-se a sua existência para resumi-los à insignificância. Quando a crise é um crivo que escolhe cruelmente os mais aptos, ser-se solidário entra na clandestinidade. Sussurram-se necessidades e buscam-se discretas soluções. Há medo, não se grita, não se sorri, é melhor ser-se triste e submisso. 

Mas negar aos outros o direito de ser, não lhes amputa a existência. Vão continuar a existir velhos e crianças, pobres e doentes. A identidade solidária de cada um será posta à prova como nunca, haverá o tempo de esconder esta identidade, mas nunca de a negar. A sua exortação relembra-nos porque somos humanos, porque o nosso mundo é humano. Porque ainda é permitido sonhar e acreditar, mesmo que em surdina, mesmo que a dormir. O direito de não morrer não poderá surgir como o único exercício que resta. Porque, não obstante estes reis e príncipes sem consciência, estupidamente espertos e socialmente acéfalos que temos, ainda somos, ainda subsistimos, ainda não morremos, nem em voz nem em braço.




sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Jardim para os lúcidos

Este jardim que outrora foi vivo, hoje morre agonizante sob a neve. Mesmo assim, moribundo, é belo no seu cinzento, na neve branca sobre a madeira queimada, nos pequenos tufos de verde, frágeis, à espera de, também eles, morrerem na sua vez. Este jardim, ah este jardim, tantas vezes contemplado, tantas vezes trabalhado... Fui feliz aqui, também tu foste feliz aqui. Aqui, senti os cheiros almiscarados da terra, das folhas que morrem e se renovam num ritmo ancestral, de transmutação. Aqui, cheira a quente e a frémita actividade, do zumbir das abelhas, do afã da formiga, dos vermelhos fogos, dos castanhos pardacentos. Ah, os cheiros das primeiras chuvas a fazerem amor com a terra, as mãos e unhas encardidas, as lagartas gordas retorcendo-se na lama. Os gatos nos fenos, as rosas, ui as rosas, o seu perfume doce e inebriante. Há tanto tempo que não vejo o jardim. As suas hastes altivas e másculas, os seus cálices acetinados, femininos, grávidos de vida em abundância. E os frutos! Maçãs redondas com buracos redondos de larvas, sabendo a terra e a natureza e a pecado. As laranjas podres no chão, as irmãs balançando-se nas árvores. Ah, o meu jardim, a minha inocência de tudo o que decorre do natural. Que saudades, que saudades, que dor cá dentro de tudo o que foi, do que acreditei ter sido. Recordo como se alguém carregasse no forward e tudo vejo apressado, os bichos as árvores os sorrisos as vozes, eu como uma árvore, porque tudo morre à minha volta e eu não morro, só mudo e não volto a ser feliz.
 
O meu jardim hoje jaz e é sepultura da inocência. O que te aconteceu? Sophia diria, o tempo, a dor, a morte e a sorte. Foi tudo o que me aconteceu. Foi tudo o que condenou este jardim. Agora repousa e subsiste, apesar de todo os pesares. O meu jardim, o teu jardim, mesmo que não vejas.


 
 Ver O jardim de Mão Morta I

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Viver no aquário, suspirando o mar

Ontem vislumbrei uma estrela cadente, na sua viagem de um segundo. Durante a sua existência efémera, tentei formular claramente um desejo ao universo, como diria a tradição popular. Mas não consegui. Apenas fui espectadora acéfala do seu movimento de rara beleza, apenas me coube em vez contemplar o seu movimento etéreo como se contemplam as coisas raras da vida: com assombro, com temor e de mente vazia. Um estranho e solitário momento em que o céu se iluminou para em seguida mergulhar em noite escura. Um momento em que a minha alma se esvaziou do deserto que passeio dentro de mim nos dias vulgares, para se encher com a luz de um momento perfeito. Não sei se outros partilharam anónimos este momento, mas pareceu-me que o universo encenou para mim este fenómeno celestial. Será presunção? Será delírio? O certo é que, após reflectir este fenómeno no tempo imediatamente póstumo, senti como nunca a intensa solidão e o privilégio da mesma. Coube-me em vez este momento e nada, mesmo nada, é tão intensamente maravilhoso como ter a consciência disso mesmo. Esta cópia imperfeita de uma Eva longínqua, olha com assombro para os milhares de anos de vida que a precederam na história do mundo, para os milheres de anos que a esperam a viajar com o pó das estrelas, e concentra-se neste momento presente, em que está aqui e agora, em que diz:
 
- Eu sou. Como nunca fui, como nunca serei. Não voltarei a olhar a estrela cadente, não voltarei a repetir este segundo, nos milhares de milhões de segundos do tempo e da vida. Sou Eu, e estou aqui e agora. Nada é mais divino.
 
Alguém gravará este momento? Um fantasia big brotheriana perspassa-me o espírito. Agito a cabeça em tom de meneio...não, ninguém recordará como foi, porque o que recordamos não existiu como tal. Recordamos um filme, uma versão melhor ou pior, sob o filtro baço dos nossos olhos, tudo o que aconteceu. Cabe-nos apenas viver, viver sem dormir. Ter consciência disso mesmo. E não carregar a dor do que se viveu e não volta, como um fardo que nos prende e esmaga. Não vender também este saber pela anestesia do sono e da ignorância.
 
Viver o presente, porque é esse o nosso destino maior.
 
 

 


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Amor e outras falácias de liberdade

Há uma mentira no amor que não lhe tira a grandiosidade, nem lhe apaga a centelha divina, mas é uma falácia.
Não conhece o amor quem diz que é livre.
Quem ama é prisioneiro, sempre, e, constrói para o objecto do seu amor, uma prisão para toda a vida.
 
Quem ama, circunscreve o seu amor dentro daquilo que é. Ninguém ama na imaterialidade, o amor é uma extensão de nós mesmos, ocupe o que ocupar, tem as nossas cores, a nossa marca inexorável. O amor é incondicional? MENTIRA, não confundamos infinitude de tempo, com ausência de condicionalismos. Quem ama quer devorar o que ama, quer tê-lo dentro de si, absorvê-lo, moldá-lo, porque ninguém é tão perfeito para nós como nós mesmos! Amar é jogar com posições no tabuleiro de xadrez, umas vezes somos peões outras rei e rainha...amar é perder os contornos, não saber se os seus olhos se fecham com o sono do outro, é olhar permanentemente o espelho e surpreendermos o outro no nosso reflexo.
 
Então porque, uma e outra vez, colocamos quem amamos no plano divino, e ficamos mortalmente siderados quando estes falsos deuses nos ferem, nos espezinham, são malévolos e exigem a nossa cabeça? Porque nos surpreende tanto que o seu amor, aquele amor que nos fez crescer e voar, semeou em nós tão amargas flores, que colhemos toda vida? Por acaso amamos nós com perfeição? Não exigimos tantas vezes do outro o que para nós é impossível?
 
Aceitar que amar é destruir o que mais se ama, com a espada, com um beijo, e reconstruir em seguida, é caminho de sabedoria. Amar é aceitar ser-se conduzido, ser insano e aplaudir a insanidade. Amar é estar-se preso com vontade, é entregar as chaves do cárcere ao carcereiro e esperar que ele seja gentil e volte no final do dia.
 
Amar é cair e compreender que se vai voltar a tombar. É deixar cair e perdoar.
 
 
 
 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

As últimas flores

As flores de hoje são raras e morrem jovens. Tudo o que subsiste está cheio de velhices, de sorrisos cristalizados, de rugas prematuras em rostos cansados. É este o tempo dos meneios lentos de cabeça, numa passividade dolorosa, dos ombros encolhidos e túrgidos, sob capas empoeiradas e cinzentas de chuva.
Hoje é perigoso ter-se esperança.
Hoje suspeita-se da alegria como uma nesga de céu azul por entre as nuvens.
A única pérola neste mar de tristeza poderia ser uma certa liberdade, a vontade calada perante o impulso animalesco já libertado, a perda de controlo, o ser-se verdadeiramente o que se é, sem máscaras nem subterfúgios, sem vaidades. Quando tudo está perdido, poder-se-ia ser feliz na mais pura liberdade de quem nada teme, nem nada mais tem a perder. Mas vivemos todos agrilhoados. Grilhões de ouro para alguns, de ferro para outros, mas todos subsistem numa torre de clausura, muitas vezes em si mesmos. Negamos o privilégio derradeiro de sentir esperança.
 
Há um clima bafiento no mundo, que nos amputa, que nos cega, que ensurdece. Nem o silêncio está vazio de vozes: ainda há quem dê um nome ao seu sofrimento, ainda há quem use a voz e pergunte, ainda há quem se lamente e peça ajuda. Neste silêncio de ecos, quero ouvir a minha voz, devemos ouvir a nossa voz, ainda que enfraquecida, ainda que rouca.
Ainda não se morreu em esperança, ainda não. Ainda vejo uma pequena janela para o mundo. E, lá longe e em altura, onde o horizonte se derrama, onde o fim do mundo está à espreita, vejo cores e florestas e uma cria humana que inaugura um novo mundo.
 
 
 

sábado, 13 de outubro de 2012

Viajar quando há lobos à espreita na porta

Cada pessoa é um mundo em si mesma e, por vezes, na sucessão de dias que é a vida, tudo o que vemos são os limites de cartão deste mundo. As proporções são estranhas, as fronteiras definidas mas estreitas, as tristezas verdadeiros naufrágios e, as alegrias, são como encontrar uma pérola dentro de uma concha. A perspectiva tudo reveste de ilusão e engano, a posição relativa de cada um no seu mundo é uma alegoria da cebola. Disposta em camadas, cujas dimensões não são claramente definidas, mas existindo um certo individualismo. Às vezes, a relação com os outros é como uma pele disposta em sobreposição, aderente e deslizante, demasiado próxima para ser distinguida. Por vezes, é uma casca grossa, resistente, divorciada de tudo o que jaz imeditamente inferior e superior, para dentro e para fora.
 
Viajar, é ver o nosso mundo inscrito noutros mundos. É como se uma onda gigante inundasse o convés o barco onde, através de um telescópio, observávamos o mundo e, depois de um momento de quase afogamento, vissemos com clareza, sem que um véu de vidro nos ofuscasse a vista. Para ver em claro, é preciso viajar. Ser viajante é mudar a perspectiva, é por-se na linha da frente de batalha, é expor-se ao desconhecido. É encarar a nossa pequenez com desprendimento, é entender que cada viagem é uma oportunidade de mudança, é perder a ingenuidade sem abdicar da transparência.
 
Eu pertenço aos agricultores deste mundo. Gosto de semear, de cuidar, de ver crescer. Tenho a força para aceitar que nem sempre há colheita, que há forças que não podem ser contrariadas. Tenho a perseverança para tentar uma e outra vez, porque assim é a minha natureza. Mas a maior parte do tempo, suspiro por florestas escuras, pelo prazer do risco, pela sedução do perigo. Viajo porque é visceral o gosto pelo inesperado, é excitante e vivificante. Mas, para a minha alma expectante,  o melhor de viajar é sentir que há um lugar que nosso a que podemos voltar, não obstante a sua pequenez e insignificância. Há um lugar de cheiros almiscarados, de arestas de pedra que emanam um certo calor conhecido, o prazer de ver que há um pouco de nós impresso em cada árvore, em cada som, numa cama com lençois lavados. Aqui é a nossa casa. Regressar a casa é sentir que não há vergonha, não há distância, não há desejo. Aqui tudo é seguro e tranquilo. Aqui não há lobos.
 
 
 
 
 
 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Metamorfose adiada

Vargas Llosa dizia que a música ajuda a entender as verdades amargas. É bem verdade. Eu queria ouvir uma música e deixar-me ir nela, abandonando-me ao sentimento que nela perspassa. Queria um desprendimento do corpo, uma certa transparência de alma. Talvez esta dor recente, não seja a tristeza dos dias, destes dias de sonhos vencidos, de violência, de insanidade colectiva, talvez seja um sintoma de uma alma que pesa com o peso do tempo que não muda. Talvez esta tristeza seja uma pele velha e caduca, que se retesa como couro ressequido ao sol, mas não se rompe.

Esta deriva sobre a tristeza, esta demanda em persegui-la, em aprisionar-lhe o sentido, talvez seja a forma errada de combatê-la. Não será até o combate a verdadeira cura. Tenho de deitar-me com esta tristeza, contemplar o seu corpo, deleitar-me com a sua argúcia, teimosia, paciência. Deixá-la reinar sem amarguras, sem revoltas. É o tempo dela, será companheira natural. Tentar não fazer da tristeza o meu carrasco, deixá-la instalar-se devagarinho. E, quando chegar a hora, estar preparada para a deixar partir...




Telescópio

A luz que nos permite ver, demora sempre um tempo a atingir a nossa retina. Tudo que vemos é passado. O presente só existe de olhos fechados. Só vemos a verdade quando nos tornamos cegos. O sentir é a verdadeira visão, é o que nos permite ver outro tempo que não o passado. Sentir é a única forma de viver no presente e de pressentir o futuro.

Quanto mais se recua no passado, mais opaco se torna o universo. Além de um certo limite, a luz já não consegue alcançar-nos.
Hubert Reeves




sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A perversão do Estado

O Estado, o que é isso de Estado? Qual a sua existência, senão uma entidade imaterial, mas dolorosamente no domínio da materialidade. Estado decorre da sedentarização dos povos, da sua evolução intelectual, estado decorre da necessidade de um líder que se realize na comunidade que lidera. Ou seja, um líder que exista porque há um liderado, numa relação recíprocamente dependente. Um estado que aglutine uma parte de um todo para, atentem nesta heresia dos dias de hoje, REDISTRIBUIR AS PARTES, EQUITATIVAMENTE.

Liderados: equitativo NÃO é igualitário; .

Equitativo é proporcional, ao rendimento, ao trabalho, ao empenho, à competência. Estado existe para ser universal, para liderar todos os que querem e os que não querem ser liderados. Porque a sociedade não contempla eremitas. Eremitário é súicídio social; é um direito, mas não é norma. Estado existe para potenciar os estaduinenses. Cada um deve ser chamado a participar, de acordo com as suas competências, no esforço comum. Desconhecimento e falta de vontade são desculpas ou subterfúgios, a combater, a orientar.

Liderados: ESTADO é solidário e ensina a solidariedade.


O estado não morrerá nunca, porque haverá estado enquanto houver sociedades. Jamais voltaremos a viver como nómadas, comendo o pó da terra e orando aos deuses por manás no deserto. Jamais. Portanto, haverá estado. E estado, meus amigos, somos mesmo nós e mais um pouco. Estado é uma espécie de centelha divina em nós, é o nosso reflexo, é a nossa essência, mas há nele algo de transcendental, de imaterial e poderoso. Para mim, estado é o garante de uma sociedade que não se consome a si mesma na ancestralidade, no ser primitivo.

Então, qual a perversão o estado? O estado, meus amigos, já não é estado, É UMA BESTA. Uma besta comilona e cega, que tateia a terra em busca de tubérculos para deglutir subrepticiamente. É uma besta geocêntrica, que vive de forma parasitária. O estado é o celibatário empedernido, o divorciado que não paga pensão de alimentos, o charlatão que vive da mendicidade às segundas e da gatunagem o resto dos dias. O estado consome tudo para si e consome-se a si mesmo.
O estado é BURACO NEGRO. É capaz de aglutinar a mais cintilante das estrelas. O estado somos nós? Não, meus amigos, o estado já nem dele mesmo é. Já não há estado, e nós estamos entregues ao bichos.


sábado, 22 de setembro de 2012

Encher bem o peito de ar no cimo de uma montanha

Ouço este solo de piano e a música entra devagar, como a tristeza, no meu coração. Há algo de belo nas coisas tristes e melancólicas. Algo de comovente, frágil mas forte. É como uma corda retesada numa guitarra, agitando-se na vibração de um toque, ou como a corda esticada na qual se equilibra o artista. Há algo de belo naquele abandono aos elementos, algo que recorda um rosto levemente inclinado à janela, com um cortina que se balança no cabelo com o vento, com a luz que se derrama na face. Há música e beleza neste momentos. Os sons calam dentro de nós, e é um sentimento de regresso a casa, como quando éramos crianças e não havia futuro. Assim recordamos a nossas lembranças mais felizes. Algo que pensávamos estar esquecido. Uma imagem, uma chegada, uma partida, uma fotografia, um banho de mar. Algo puro e luminoso. Porque recordar por vezes nos deixa tão tristes? E porque a tristeza pode nos fazer sentir tão vivos? 

Eu escrevo bem quando estou triste. Também sou mais cândida no meu trato com os outros, com as coisas frágeis. Tenho mais saudades quando estou triste, e é mais fácil recordar. O que falta, para estar feliz quando estou triste? Ah, fazer os outros felizes, acho que é isso...




quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Sísifo: Ensaio sobre a perseverança

De entre todos os mitos da antiguidade aquele que mais gosto é o mito de Sísifo. A minha interpretação vai além da leitura de futilidade que surge a ele associado. Há algo de comoventemente humano e terno em Sísifo. Já muitas vezes falei dele, de como é uma gigantesca metáfora do que sinto, de como me vejo no palco maior da vida. Identifico-me com o papel de montanhista incansável, ou pelo menos refém de uma sentença vital para perseverar eternamente, não importa como, inexorável o destino de chegar ao cimo para ver que afinal há que recomeçar uma e outra vez. Talvez a única coisa que substituiria seria o meu troféu condenado. Ao invés de uma pedra, sinto que o meu alter ego Sísifo empurra o meu coração de cristal encosta a cima. O verdadeiro suplício não é suportar o seu peso e elevá-lo acima de todas a leis da física, acima da capacidade do meu corpo, acima da teimosia da minha alma. O verdadeiro desafio, é orientar este coração frágil e vulnerável, sem que se parta, sem que se conspurque nesta terra arenosa, instável e agreste, mas com atrito suficiente para que, neste solo inóspito, o mais belo cristal seja lapidado...



Sísifo foi condenado para todo o sempre a empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o topo era atingido. Este processo seria sempre repetido até à eternidade.

Mito de Sísifo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-09-20].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$mito-de-sisifo>.

domingo, 16 de setembro de 2012

A tristeza de tudo o que não foi mas permanece

Tudo o que poderia ser e subsiste em semente, é triste. Triste como são todas as coisas que ficam por nascer. É uma tristeza como que uma pequena morte. Às vezes morre porque não choveu, e assim pereceu suavemente, sem culpas, com inocência. Às vezes morre violentamente, e foi ceifada na lâmina dura e fria do desgosto. E assim à tristeza se soma a raiva, guardada como pérola, cristalizada no tempo, sem nunca desaparecer, antes se torna inútil. Pior mesmo, é a tristeza do que não foi mas um dia acreditámos que poderia ter sido. É uma tristeza como uma derrota. Há algo de inglório e vergonhoso neste investimento estéril de esperança. Tudo o que é e não foi subsiste sempre. Na sua não-existência, há uma segura e inexorável persistência na nossa vida. Creio que somos bem mais do que as nossas sementes infecundas. Somos afinal tudo o que cresceu e frutificou. Mas bem, quando hoje contemplo esta minha terra, vejo sementes lançadas ao abandono e, a maior tristeza, não está na semente, está sim na minha visão de tudo o que poderia ter sido. E é isso que às vezes dói como ferida que não sara.

Eu sou eu, meus fantasmas, minhas sementes que não nasceram. E quando voltar a viver, quero ser tudo o que cresceu e que ainda há-de morrer, mas já em flor, em fruto, em árvore murcha quando chegar a sua hora.


General no seu labirinto

Pode um homem estar demasiado habituado a si mesmo, cansado de beber de dentro das suas palavras, comer dos seus frutos, de consumir como desenfreado do arquivo dos seus sonhos? Estará o homem, ou uma mulher como eu, demasiado embrenhada nos seus labirínticos motivos, com o seu discurso de mesmice, permitindo condescendentemente os seus erros, a sua libertinagem, os devaneios da sua solidão?

Caminhei tão longas veredas, escalei tão escarpadas montanhas, repetindo a mim mesma que a dor aguça o engenho num produto melhor, inacabado mas bom, apto à grandiosidade, para afinal perceber que apenas conduziu a um estado de embaraço, de enfado, num desfiar de maus humores, de nenhures entediantes e irritantes?

Estarei há demasiado tempo entregue a mim mesma? Poderei ainda esperar do outro paciência para desfiar a corda de egoísmo que me enforca, a crença que, desenterrando as camadas de pó dos dias, dias longos e embirrentos, jaz um ser nu e vulnerável?

Caminhei pensando que me desnudava do supérfluo, do lixo da vaidade, do hábito, da cadência do tédio, quando afinal estou vestida como nunca...


 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ver em claro e deixar para trás o que não interessa

Ver claro em nós e ver como os outros nos veêm. Ver esta verdade frente a frente e não haver um naufrágio em culpas e remorsos. Experimentar o desejo, sem acreditar que ceder a ele é o conspurcar da elevação que se persegue. Ser elevado, é não sofrer com o que não podemos mudar: os outros e a natureza.

Ver, porque é este o sentido verdadeiro. Ver de cá dentro e não ter vergonha, nem ambições, nem ansiedades. Ver claro depois de um dia chuva, em que a terra se oferece timidamente ao sol.

Ver sem que a verdade fira tanto, que até cerramos os olhos com a soma de todos os cansaços, com a cegueira de quem não quer ver.

Ver honestamente sem delirar com verdade, sem mentir para evitar o sofrimento, ver que os alicerces são de barro e a casa que suportam é de pedra. Ver que tudo são destroços.

Ver tudo isto e rejubilar com a verdade. Ela é clara e é de pedra, bate mas não mata, antes liberta.

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É também preciso não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho que se poderia ver se a janela abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A Insónia: a dama da noite de reputação questionável

Duas, três da madrugada e não consigo dormir. Antecipo, com o certo gozo das certezas, o toque do sino da igreja. Sei que está tarde e a insónia é o meu amante esta noite. Deitei-me a seu lado, com a promessa de não ficar só. Hoje sou eu, a insónia, o pensamento e a solidão. Contemplo esta profusão de corpos, com o seu cheiro acre a cadáver, porque, na realidade estão mortos. São pesos negros como âncoras no fundo do mar. Estou como barco atracado nesta baía infecta, em que o sono morreu e a minha mente se revolve num enjoo de mim. Tento recordar, mas as boas memórias estão gastas à força de tanto as trazer à superfície. É estéril este momento, é de aridez que saboreio este tempo. A boca está seca, engolir é lamber um cacto no deserto de Atacama. É assim que sei que estou com medo. O medo insinua-se como uma dor, que vem devagarinho, deleitando-se com os pequenos pêlos da minha nuca. A cefaleia que irradia como polvo a pele atrás das orelhas: dói por dentro e à superfície. Ela cresce como rede que se lança ao mar, alcança as têmporas e eu sei que vou deixá-la viver um pouco. A dor lembra-me que estou viva nesta insónia. Levanto-me quando o torpor doloroso me encharca em suor, num calor que sai dos pés como queimadura. Desço as escadas e reparo de relance nas sombras que se desenham nos vidros foscos das portas. Porra, sou criança outra vez e estou com terrores nocturnos. A dor outra vez, agora lancinante, e por isso continuo e chego à cozinha. Ainda às escuras, porque receio que a luz torne a insónia mais real, tacteio um comprimido na gaveta dos tesouros de botica. Sim, vou ceder a este pequeno prazer, lenitivo na fase terminal da minha noite. Sei que o sono que vier não será sono, significará que a insónia se foi prostituir com outro cujo desejo está a morrer. Antes mesmo de me apagar, vejo como filme a última cena, não sei se sonho ou se recordo (não tenho a certeza se é diferente), um último momento em que tive esperança, em que a luz se desmaiava e eu era feliz com certeza de uma noite de sono sem cadáveres nem fantasmas, num abraço de corpo quente.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Anima Mundi

Conheço as tuas montanhas,
que de verde se fazem florestas,
e de branco se vestem vastas
planícies de neve incandescente.

Conheço os sítios secretos
onde passeias desgostos e
guardas imperfeições, longe
de olhares ímpios. Ninguém,
ninguem como eu, vê como
Se desfazem em risos os cantos
dos teus olhos. Como
é de luz que se vestem as tuas
Mãos, que se estendem em dedos
infinitos, intensas impressões nos
lençois, de linho e de seda, porque
assim é a tua alma, áspera e
Preciosa. Ninguém, ninguém como
eu vela contigo noites de insónia,
e contigo chama o sono, sussurrando
e tecendo sonhos. Eu vejo
Intrépidas paisagens no teu ser.
Vejo os sulcos de miséria, as
abóbadas celestes que acetinaste
Na infância, terra de cores e desertos
frios e com pedras, porque a areia
se esgotou por entre o Tempo.

Vejo como esperas em quarentena.
Entardece, mas dentro de ti cai
Noite gélida. Ninguém como eu
Espera a aurora para ti,
Porque é de orvalho inaugural
que é feita a tua sede.

Cá dentro, espero-te,Ainda é cedo para te morrer
em Esperança.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Missão transparência

Tender para a leveza é caminho de felicidade. Quero desnudar-me de tudo o que é fútil, pesado e obsoleto. Quero que a única vestimenta seja a minha alma transparente, que uma alvura transfigurada cegue todos os olhares. Quero que o caminho seja o despojamento...aonde quer que me leve, que eu chegue inteira mas despojada. Também não é bom deixar o caminho como campo de batalha: que não haja pranto entre os adversários, aliás, que não haja adversários. Que o abandono tenha uma ordem e que nenhuma outra ordem seja perturbada. Que as mortes necessárias, não sejam mortes, mas transformação e recomeço.

Caminhar e chegar será sempre um contrário. Partir é começar e acabar. Perder-me-ei, para me encontrar.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Estação do agora

Está calor e o ritmo da natureza está em abrandamento depois de chegar à saturação. Abranda de forma imperceptível, é como se um grande terramoto tivesse acontecido no mar e, de longe sussurrando, a morte em forma de onda estivesse a caminho. Tudo que havia para crescer e frutíficar, agora permanece a prazo, porque a morte lenta mas inexorável está a chegar. Tudo é mais bonito e colorido porque vai morrer em breve, mas este é o momento em que tudo se exibe no frenesi de vida e luxúria. É estranho que neste clima de auge, tudo esteja, afinal, em suspenso. É isto que sinto, uma suspensão de vida, um antecipar agonizante sobre o que está para vir. Vejo-os a todos e parecem uma manada de búfalos incautos, pastando na savana: um, mais sensível, ouve um galho a quebrar-se, uma estranha vibração npo solo, um odor inebriante a perigo e a lascívia. Este animal sensível vai correr pela vida até ao último fôlego, até ao último pulsar, a diferença é que este tem medo antes de todos os outros. Ai chegará o tempo da carestia. O paradigma da sobrevivência do mais forte já caiu, durante anos imperou a selecção do mais adaptável e agora, além da míngua de tudo, carece um paradigma de homem melhor. Será aquele que luta melhor ou aquele que se esconde melhor?

Aproveitem todos este tempo de vida suspensa, animada pela pena da ilusão. Este meu tempo de suspensão, uso-o invejando a vossa calmaria, uso-o aninhando-me no esquecimento dos dias, dou o meu corpo à preguiça e ao calor. A minha mente, ponho-a a dormir mas a minha alma pressente este murmúrio fétido, este segredo de abismo.

Setembro, tempo de colher e de guardar. Assim vai o meu tempo de espera, a minha quarentena do mundo.




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Alma de Peregrino

O peregrino é um ser que está sempre em movimento. Caminha sempre, porque estar parado é morrer aos poucos. O propósito está sempre presente, o horizonte os anima, os inflama, os conduz. Mesmo assim, não é o propósito que conta. É o movimento que impera, é a jornada que alimenta e ensina.

Eu quero caminhar, atravessando um túnel longo e escuro para encontrar, do outro lado, uma tarde de sol e luz, um silêncio de coisas vivas, um cântico de júbilo a decifrar.

Eu quero caminhar, ser parada pelo privilégio da maravilha, ser inspirada a acreditar, ou então a desistir e procurar novo rumo, porque tantas vezes se caminha rumo a nada. Quero que a vontade me acompanhe, quero estar sempre acordada, ou então dormir ao entardecer, com as sombras dançando no meu rosto.

Quero ver meu peito se inflamar com emoção pura, com lágrimas cândidas e transparentes. Quero conhecer o lugar onde posso depositar os meus sonhos, onde sonhar não é ridículo, onde a aceitação do que é e do que foi, não dói tanto.

Quero acreditar que é possível ser feliz, ou acreditar que se é feliz, sem esquecer o que o tempo, a morte, a dor ou sorte a todos nos fez.

Quero ver tudo com os olhos da criança que já não sou, mas que ainda habita em mim. É por ela que caminharei.




quarta-feira, 25 de julho de 2012

Voltar aonde fomos felizes

Há tantos que já descobriram o verdadeiro tesouro e, esses, andam como loucos em insónia constante, querem fazer cada segundo importante, cada dia memorável. Esta é a angústia de fundo. Estes, vivem mesmo, e sofrem feroz e inutilmente. Sofrem porque pressentem o sentido em tudo, mas não o conhecem. Afinal, não compreendem que conhecer o outro lado do espelho é deixar de se ver a si mesmo. Não compreendem que compreender o sentido é perder o sentido.

Aqueles que dormem, esses, vivem uma quietude estéril. Tudo o que constroem são castelos de cartas e casas de vidro. Eu construo nada, mas morrerei construindo. Eu busco tudo, e no fim, verei que já tudo havia sido encontrado.

Mas ainda desejo. Quero aquele momento, no cimo da montanha, em que contemplo a cidade a que breve chegarei e sinto que estou no lugar certo, à hora certa. Sinto que nasci de novo, depois de morrer muitas vezes.

Sentir que se permanece, apesar de tudo, mas mesmo tudo, é a maior benção.

Um poema cheio

Ainda te falta
dizer isto: que nem tudo
o que veio
chegou por acaso. Que há
flores que de ti
dependem, que foste
tu que deixaste
algumas lâmpadas
acesas. Que há
na brancura
do papel alguns
sinais de tinta
indecifráveis. E
que esse
é apenas
um dos capítulos do livro
em que tudo
se lê e nada
está escrito.



Albano Martins
Escrito a Vermelho

Eg anda - Eu respiro

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Niágaras no deserto

Ontem subi ao tecto do mundo
e tudo era azul e imaculado.

Ontem vi um botão de rosa a florir,
Uma borboleta a sair do casulo.

Ontem espreitei a água e vi
uma onda de espuma fria que
devagar, se derramava na praia.

Ontem vi um sorriso inaugural,
depois de um século de tristeza.

Ontem sonhei com um amanhã
em que eu estava com o mundo
e no mundo, e tudo estava certo.

E nada disto se compara
ao que hoje sucedeu.

Hoje tive a alegria de receber
um presente que era um sonho,
um sonho de mim quando estou só
cá dentro, um globo de neve perfeito:
Um jardim e uma borboleta e água e neve
Um movimento suave, um rodopio e
música. Uma caixa de música.

Alguém que me conhece,
que me guarda e que me deu
um presente que sou, quando,
a dormir, sonho comigo e sou feliz.

Obrigado e até breve.