quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Anima Mundi

Conheço as tuas montanhas,
que de verde se fazem florestas,
e de branco se vestem vastas
planícies de neve incandescente.

Conheço os sítios secretos
onde passeias desgostos e
guardas imperfeições, longe
de olhares ímpios. Ninguém,
ninguem como eu, vê como
Se desfazem em risos os cantos
dos teus olhos. Como
é de luz que se vestem as tuas
Mãos, que se estendem em dedos
infinitos, intensas impressões nos
lençois, de linho e de seda, porque
assim é a tua alma, áspera e
Preciosa. Ninguém, ninguém como
eu vela contigo noites de insónia,
e contigo chama o sono, sussurrando
e tecendo sonhos. Eu vejo
Intrépidas paisagens no teu ser.
Vejo os sulcos de miséria, as
abóbadas celestes que acetinaste
Na infância, terra de cores e desertos
frios e com pedras, porque a areia
se esgotou por entre o Tempo.

Vejo como esperas em quarentena.
Entardece, mas dentro de ti cai
Noite gélida. Ninguém como eu
Espera a aurora para ti,
Porque é de orvalho inaugural
que é feita a tua sede.

Cá dentro, espero-te,Ainda é cedo para te morrer
em Esperança.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Missão transparência

Tender para a leveza é caminho de felicidade. Quero desnudar-me de tudo o que é fútil, pesado e obsoleto. Quero que a única vestimenta seja a minha alma transparente, que uma alvura transfigurada cegue todos os olhares. Quero que o caminho seja o despojamento...aonde quer que me leve, que eu chegue inteira mas despojada. Também não é bom deixar o caminho como campo de batalha: que não haja pranto entre os adversários, aliás, que não haja adversários. Que o abandono tenha uma ordem e que nenhuma outra ordem seja perturbada. Que as mortes necessárias, não sejam mortes, mas transformação e recomeço.

Caminhar e chegar será sempre um contrário. Partir é começar e acabar. Perder-me-ei, para me encontrar.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Estação do agora

Está calor e o ritmo da natureza está em abrandamento depois de chegar à saturação. Abranda de forma imperceptível, é como se um grande terramoto tivesse acontecido no mar e, de longe sussurrando, a morte em forma de onda estivesse a caminho. Tudo que havia para crescer e frutíficar, agora permanece a prazo, porque a morte lenta mas inexorável está a chegar. Tudo é mais bonito e colorido porque vai morrer em breve, mas este é o momento em que tudo se exibe no frenesi de vida e luxúria. É estranho que neste clima de auge, tudo esteja, afinal, em suspenso. É isto que sinto, uma suspensão de vida, um antecipar agonizante sobre o que está para vir. Vejo-os a todos e parecem uma manada de búfalos incautos, pastando na savana: um, mais sensível, ouve um galho a quebrar-se, uma estranha vibração npo solo, um odor inebriante a perigo e a lascívia. Este animal sensível vai correr pela vida até ao último fôlego, até ao último pulsar, a diferença é que este tem medo antes de todos os outros. Ai chegará o tempo da carestia. O paradigma da sobrevivência do mais forte já caiu, durante anos imperou a selecção do mais adaptável e agora, além da míngua de tudo, carece um paradigma de homem melhor. Será aquele que luta melhor ou aquele que se esconde melhor?

Aproveitem todos este tempo de vida suspensa, animada pela pena da ilusão. Este meu tempo de suspensão, uso-o invejando a vossa calmaria, uso-o aninhando-me no esquecimento dos dias, dou o meu corpo à preguiça e ao calor. A minha mente, ponho-a a dormir mas a minha alma pressente este murmúrio fétido, este segredo de abismo.

Setembro, tempo de colher e de guardar. Assim vai o meu tempo de espera, a minha quarentena do mundo.




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Alma de Peregrino

O peregrino é um ser que está sempre em movimento. Caminha sempre, porque estar parado é morrer aos poucos. O propósito está sempre presente, o horizonte os anima, os inflama, os conduz. Mesmo assim, não é o propósito que conta. É o movimento que impera, é a jornada que alimenta e ensina.

Eu quero caminhar, atravessando um túnel longo e escuro para encontrar, do outro lado, uma tarde de sol e luz, um silêncio de coisas vivas, um cântico de júbilo a decifrar.

Eu quero caminhar, ser parada pelo privilégio da maravilha, ser inspirada a acreditar, ou então a desistir e procurar novo rumo, porque tantas vezes se caminha rumo a nada. Quero que a vontade me acompanhe, quero estar sempre acordada, ou então dormir ao entardecer, com as sombras dançando no meu rosto.

Quero ver meu peito se inflamar com emoção pura, com lágrimas cândidas e transparentes. Quero conhecer o lugar onde posso depositar os meus sonhos, onde sonhar não é ridículo, onde a aceitação do que é e do que foi, não dói tanto.

Quero acreditar que é possível ser feliz, ou acreditar que se é feliz, sem esquecer o que o tempo, a morte, a dor ou sorte a todos nos fez.

Quero ver tudo com os olhos da criança que já não sou, mas que ainda habita em mim. É por ela que caminharei.