quinta-feira, 31 de julho de 2014

Nevoeiro no meu coração

Vejo umas nuvens suspeitas a transportarem-se no céu. Adensa-se um clima bafiento, como a humidade retida num frasco de coisas estragadas. Hoje não consigo respirar bem, não consigo um dia luminoso dentro de mim. 
Então, escrevo. Escrevo para virar-me para dentro e encontrar a ponta solta do fio condutor deste dia. Desenrolá-lo devagarinho e tecer uma história que faça mais sentido do que estas nuvens. 





terça-feira, 15 de julho de 2014

Uma boa dose de faz de conta

Desejo uma bola de sabão transbordante entre os dedos, com uma força tênsil parecida com o infinito.  Uma pequena maravilha de impossíveis na palma da mão. Estender o braço e tocar o rasto de um avião branco que risca o céu azul. Deve saber a algodão doce, a coisas leves, como espuma que se desfaz na areia. Quero o som das ondas dentro de uma casca de noz. Quero ouvir a campainha... à porta deve estar um bouquet de balões de todas as cores. Alguém os segura e os solta, levemente no ar, e eu fico a vê-los subir, de boca aberta, com um fio de saliva a gotejar do queixo.
Amanhã, quero acordar no cimo de uma montanha com a minha música preferida a tocar. Irei gritar e ouvir o meu eco a desfazer-se contra as encostas e sentir a liberdade como uma coisa que nos preenche por completo. Não sei se será a liberdade ou a única sensação verdadeira: sentir-se vivo.
Quero hoje fechar os olhos com força, abri-los em seguida, mesmo a tempo de ver um girassol a rodar ao sol. Ao longe, de certeza que escuto risos de crianças e corridas loucas de cavalos. Um cão a latir alegre ao fundo. O regresso de alguém amado. A saudade que se encontra no caminho...
Páro. Reparo que resvalei do faz de conta para coisas que contam, que acontecem simplesmente e não damos por isso. Será a realidade afinal o sonho? Quero antes uma dose de faz de conta, mas daquele tipo que acontece mesmo. Páro de novo. Reflito. 

Quero uns óculos mágicos para não perder um só segundo da impossibilidade maravilhosa que é a Vida. 


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Um passeio à noite com as estrelas

Pára. Dentro de ti, cala todos os sons. O teu corpo em linha reta, movendo-se contra o vento. A noite fria ecoa no teu peito. As estrelas distantes criam uma estrada de sonhos até onde o teu olhar se move, para o céu e ainda mais além. Longe, um piar de coruja, fantasmagórico, aumenta a solidão do teu pulsar cardíaco. És tu e os elementos nesta hora tardia. É estranha a cidade à noite. Algumas pessoas passeiam os cães. Pára, volta para dentro de ti. Sente o vento a assobiar por entre o cabelo solto. Concentra-te. Uma orla de vazio: não pensas, não desejas, não respiras. Sente a flexão e a extensão das pernas, o rabo assente no selim duro. A pressão, a fricção, o cansaço. A noite imensa. E porém, há muito que não te sentias tão em casa. Atrás de ti, uma presença. O restolhar da roda que se sucede em círculos. Alguém que te segue. Não sabes se esta noite é a mesma que partilhas com ele. A mesma noite faz dois seres estranhos e diferentes. Pára, sente tudo, absorve tudo. Este é o teu momento. Dado ao mundo e às coisas. O teu espaço vazio já não é tão grande. És tu, agora. E o mundo foi um bálsamo. Olhar para dentro já não é um poço fundo.