segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O Argonauta das sensações verdadeiras

Vou tirar a carne destas palavras, descarná-las dos seus sentidos dúbios, dos seus segredos e sussurros farsantes.
Vou tirar o suco guloso desta fruta desmaiada, posta como tentação em cima dos muros, focos de distração de tudo o que vive e morre para lá das vedações.
Vou tirar o sopro desta voz, expô-la até aos ossos amarelados, destituí-la do seu canto de sereia, melado e colado aos ouvidos de cera, duros para ouvir este silêncio, esta beleza nua das coisas mudas.
Vou passar todas estas palavras pelo crivo da nudez absoluta, deixar cair tudo o que engrandece e escurece, deixando entrar, opulenta, a luminosidade pura das coisas que o são, sem se que se forcem a ser.
Vou desmanchar este corpo, como se dispõe um porco, se parte e reparte a sua carne e, de uma forma visceral, vou deixar partir ao vento cada pedacinho do meu ser, pôr o meu coração ao bater dos dias e das horas.

Quero ser o que sinto. Quero ser esta grandeza que transborda dentro de mim.
Que as palavras não mais amarfanhem este sentir. Que a voz não mais abafe este silêncio que cala no íntimo.
Quero ser esta força natural que se derrama de mansinho e não se doma nunca.
Quero ser em uníssono com o que me faz feliz. Dar-lhe a mão. De olhos fechados, sentir o seu calor.
E jamais esquecer. E para sempre recordar: é assim que se faz amor.





domingo, 8 de setembro de 2013

Telepatia

Gastámos as palavras, meu amor
À conta de as querermos meter cá dentro,
Dentro de tudo o que se sente, à medida de
Uma criança crescida que, à força, se tenta enfiar nuns pequenos sapatos.

Gastámos os passos em vielas escuras
À conta das arestas por limar, dos vértices por vencer
Das esquinas afiadas, do erro e da desilusão e de
Tudo o que são pequenas pedras e leves poeiras.

Esquecemos que há coisas
Demasiado grandes para serem ditas
Demasiado profundas para serem alcançadas.

Lembramos da verdade do que está dentro,
Daquilo que não se pode ver e se sente
Daquilo que não se pode dizer e se ouve.

E calamos, bem fundo, felizes por sermos um para o outro,
Sem corpo, sem consciência, sem palavras.
Apenas com o sentir.