domingo, 29 de abril de 2012

Here comes the sun

Mais uma vez, caminhando ao longo da praia, tive a sensação que estava sentada na poltrona do mundo, observando tudo e observando-me. Não me senti vazia, ao invés, subveio a tristeza já constante e familiar, a tristeza do mundo, a melancolia das coisas belas.

A Teoria das Cordas pertence à esfera da Física, mas quase que pude dissertar uma teoria das cordas pessoal, que explicaria aquele momento e serviria de metáfora à minha vida. Sinto o tempo como uma corda vibrante dentro de mim, aliás várias cordas retesando-se, ainda não no limite da sua extensão, mas vibrando: a passagem do tempo é como uma sirene de ambulância ao longe. É uma urgência permanente, mas afinal nada surge ao fundo da rua. Há um frémito distante, ecos de um acidente trágico ou de uma festa de arromba, mas nada acontece em mim ou suficientemente perto de mim. A areia são milhões de cordas dos eventos passados, deste concurso de eventos mais ou menos esperado que culminou na minha concepção e nascimento. Mais do que isto, grãos de areia são os eventos vitais da evolução de tudo que é inerte e vivo porque, no limite, tudo conflui para a existência de tudo. Nada é fortuito, nada. Uma intersecção de cordas conduziu a este momento perfeito: uma melodia de fundo, ritmicamente as ondas debruçam-se na praia, as rochas permanencem e interferem, dois cavalos de cores diferentes trotam junto à linha de água, uma igreja de tributo, pessoas e mais pessoas e eu e as minhas lágrimas, porque tudo isto me comoveu. É então que um sentimento muito humano me atinge - vergonha - porque alguém me pode ver e não vê o que está cá dentro - afinal o que está fora é bastante ridículo. Não é bastante não ser cego para não ver; é preciso também não ter filosofia nenhuma. (AC)


sábado, 28 de abril de 2012

Heaven is a place on Earth with you

Céu é uma praia ao fim de tarde, uma tristeza suave como um azul que gela devagarinho, que arrefece as nossas cores, é um dia frio com sol a entrar devagarinho na janela, é um dia que vamos à floresta, em que cheira a chuva e a coisas decompostas e a terra molhada. Céu é sentir a alma viva porque estou triste, é sentir que amanhã pode ser um dia melhor, uma esperança infantil, um sonho impossível. Céu é ter uma parte de nós que acredita em milagres. É poder dizer o que se sente, nem que seja por dois minutos, é conseguir transcrever a alma para algo tangível e partilhá-lo. Céu é afinal este momento derradeiro: estou só, mas partilho com outro este céu estrelado e infinito.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Travessia no deserto: 40 dias de penitência e solitude

40 dias é claramente metafórico. Mas olhar a aparente inércia como um espaço finito e um tempo definido ajuda-me a perseverar neste marasmo. 40 dias de penitência por não me conhecer inteiramente. Quanto de nós conhecemos pela experiência e quanto conhecimento resulta da viagem a si mesmo? Que fronteiras estarei a evitar, que limites não atinjo mantendo-me nos labirintos do meu eu?

40 dias de espectadora atenta do desfilar de eventos fisiológicos, cujos mecanismos compreendo mas não domino. Respirar, ingerir, desgastar, eliminar, cuidar, fazer crescer e prosperar, limitar e controlar, tudo isto divinamente orquestrado e mesmo assim não é suficiente. Não é suficiente porque o que o sopro que me anima está morto, e tudo é calmaria por aqui.

Esta é a minha travessia no deserto. É meu caminho, mas não é o meu Graal. O meu tesouro está soterrado neste deserto e posso bem não encontrá-lo. Ou pior ainda, encontrá-lo e não o ver.

Esta é a minha travassia no deserto. Só espero não me tornar areia.

Bem a propósito, Álvaro de Campos diz:

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo,o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque dali se vê tudo, e tudo morreu.


domingo, 22 de abril de 2012

There are two ways through life

Compreender o seu lugar no mundo, é a odisseia de cada Homem. Há em cada vida um propósito, é uma realidade absoluta. Buscar o propósito dentro desse propósito é uma quimera louca, inconsequente e destruidora. Cabe-nos viver, viver em plenitude.
Malick caracterizou bem dois caminhos: a via da Graça e a via da Paixão. A escolha é fundamental e nem sempre consciente. Mas em todas as escavações do rio da vida, é possível definir estes dois trajetos.

A via da Graça é paciente, é despojada de si mesma, procura o bem, e nesta procura muitas vezes encontra o medo, a frustração, a bondade inconsequente, bem dirigida e nunca inerte. A graciosidade é amável mas não inflama. Fica no coração de forma indelével, paira no tempo e na memória como um eco de uma época distante, com a tristeza evocativa de uma infância feliz.

A via da Paixão é violenta. Tem o rio da vida em cascata, em rápidos sucessivos que arrastam, que revolvem, que jorram em abundância. Nada é temperado, medido, contido. Porque é forte, tem em si ímpeto criador. A via da paixão governa a criatividade, a velocidade, a mudança. Porque é imprevisível, fere tantas vezes... E por este motivo eleva a alma à Glória, para descê-la aos infernos em seguida. O caminho apaixonado arrisca, e por isso erra muito...impõe mudança e liderança, reina a solidão.

Ser gracioso é ser raio de sol entre os abetos, é esperar e perseverar. Ser apaixonado é ser onda revoltosa e fria, derramando-se na areia, é deliberar e perder.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Eternal sunshine of a spotless mind


O continuum das memórias é o fio condutor da nossa humanização? Serão as memórias um circuito fechado que se alimenta a si mesmo e nada subsiste ou se cria fora destas? A desmemoriação, a repressão e o esquecimento não é recurso lícito de afastamento da dor. Lembrar, sentir, sofrer é ser humano.

De Alexander Pope:
How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Inspiration needed

Sempre me causou repulsa o ser morto vivo, aquele que dorme enquanto vive, aliás, para quem viver é um exercício de torpor absoluto. Mas qual será o caminho para aquele que, como eu, se vê num desfilar de acontecimentos menores, concretamente num desfilar de segundos inúteis, que deturpam a razão, que amarfanham a inteligência, que soterram a vontade? Como buscar a maravilha? Pessoa diria que a arte da monotonização da existência é a resposta à procura de segundos de maravilha. Infelizmente, não preciso de me esforçar para mecanizar a minha existência: de momento, nada tem o privilégio da maravilha. Ou melhor ainda, se a Natureza me presenteia com um fluxo luxuriante de vida, nenhum olhar big brother está lá para que eu possa partilhá-lo. E já sei há muito que pouca coisa nos proporciona plenitude se não for partilhado. Preciso de uma matemática precisa, equações claras e certeiras para potenciar a inspiração, a plenitude, a força potencial e criativa para agir. Preciso de um plano que não inclua espera, espera e mais espera. Porque sinto que, para o que quer que seja, estou terrivelmente atrasada.