quinta-feira, 8 de março de 2012

A falta de assombro de Adão

E por vezes é a vida que os suga; então querem devorá-la com um apetite insaciável e voraz como a morte, para se libertarem da terrível angústia e povoarem o seu mundo com o seu medo sublime e os objectos criados pelo seu espírito inquieto para se tranquilizarem. Mas nunca estão em paz. Estão sempre em busca de outros horizontes, porque a sua alma tem sede de Deus, do Deus da vida. Não é reminiscente ou nostálgica como as dos que sonham com o país em que nasceram (...), é uma concha vazia e rebelde, ávida do que não possui e do que nunca conheceu. Os outros, os insensatos, vivem nos espaços familiares habitados pelos homens, seus semalhantes, como se fosse perfeitamente normal lá estarem, nesse planeta a que chamam Terra, onde o Sol também nasce (...); como se fosse perfeitamente normal este mundo não ter princípio nem fim, e que a terra, pequeno ponto do infinito cósmico, nele arraste incessantemente a sua rotina vertiginosa, e que seja um todo, ou que nós não o saibamos. E, no entanto, esse movimento infinito, além para além do além, perpétuo, hábil e minucioso, contempla, irónico, o ser finito, o pó do tempo, micróbio do microcosmo. Mas tudo isto é óbvio para os descuidados, que tudo percebem e nada veêm, que nada no mundo espanta, nem o bebé que nasce para a vida, (...) nem a criança que cresce e que aprende a falar, nem o homem que envelhece e morre (...). Olham para o globo terrestre como se ele fosse uma esfera a percorrer, um objecto de artesão e não de artista, um artefacto entre outros. Desconhecem a vertigem.

Eliette Abécassis, Qumrân