sábado, 23 de agosto de 2014

A voz sem mestra

Há pouco alguém me dizia que se sentia a ficar muda. Como se o espaços fora dela estivessem cheios de nada. A única coisa que no seu íntimo calava fundo eram os silêncios. Foram pequenas coisas que foi reparando. O frio dos dias era mais intenso e as noites mais longas. O sono foi ficando pesado mas curto e ficaram os olhares fixos e demorados sobre as coisas apagadas: a televisão, as lâmpadas, o fogão. A vontade foi minguando como a lua na sua fase diminuta. A voz mais rouca, algodão nos ouvidos e pálpebras pesadas. A vida se sucedendo sem se contarem as horas. Fiquei triste. Evoquei na minha mente a impressão desta pessoa a cores, o seu retrato alegre ocupou a minha memória e a sua gargalhada alta ecoou nos meus ouvidos. O que foi que nos aconteceu? Onde largámos as mãos e nos escondemos uma da outra, atrás das moitas, a contar as folhas? Ainda te vejo inteira e feliz. Como lembrança viva, nao como amuleto, mas como companheira de viagem... Não percas a voz, nem as coisas dentro dos espaços. Não deixes de acender todas as luzes à tua passagem, de ligar a televisão bem alta e de deixar queimar o jantar. Se o fizeres, emudeceremos ambas. E uma parte de nos morre. Continuemos a cantar juntas. Para sempre.

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